Com 15 votos favoráveis, 13 contrários e três abstenções, a Câmara do Recife aprovou nesta terça-feira (23), em primeira discussão, o projeto de lei nº 206/2020, do vereador Fred Ferreira (PSC), que dispõe sobre a vedação do uso de novas formas de flexão de gênero e de número das palavras da língua portuguesa em escolas das redes privadas e pública municipal. Durante o debate da proposta, a vereadora Liana Cirne (PT) ocupou a tribuna do plenário para fazer ponderações sobre a matéria. De acordo com ela, o projeto de lei é inconstitucional por tratar de um tema que não pode ser legislado pela Câmara Municipal.

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Ao buscar proibir novas formas de flexão de gênero e de número em escolas públicas municipais e em escolas privadas do Recife, o projeto de lei nº 206/2020 prevê punições que vão da advertência à suspensão do alvará de funcionamento. Editais de concursos da administração municipal e os demais estabelecimentos públicos municipais provedores de ensino, informação e cultura também são alvos da proposta de proibição.

De acordo com Cirne, a proposta não passará pelo crivo da Procuradoria Municipal, que analisa se há vícios nas matérias que serão submetidas à sanção do prefeito do Recife.

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“A gente está votando um projeto de lei que tem a pretensão de regulamentar gramática. É tão absurdo que todas as pessoas que estão aqui neste momento e nos acompanhando em Casa podem ter a certeza absoluta de que todos os vereadores e todas as vereadoras sabem que esse projeto é inconstitucional”, disse a parlamentar. “A gente pode estar debatendo e defendendo a ideia, mas a gente sabe que a Procuradoria do Município não permite a sanção do projeto, porque é flagrante, notória a inconstitucionalidade. Não é nem que o STF [Supremo Tribunal Federal] vai julgar inconstitucional. Não chega nem no STF”.

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O uso de novas variedades de flexão de gênero e número no português são geralmente defendidas por apoiadores de uso da linguagem neutra, que buscam introduzir no vocabulário palavras como “todes” como variação possível de “todos” e “todas”, para demarcar a neutralidade de gênero no português. Na discussão no plenário da Casa de José Mariano, alguns vereadores posicionaram o debate na crítica à “ideologia de gênero”, expressão utilizada por alguns para caracterizar discussões sobre identidade de gênero.

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Para Liana Cirne, no entanto, o projeto não serve para discutir a crítica à “ideologia de gênero”. “Nós não temos competência legislativa para discutir diretrizes e bases da educação. Todo mundo aqui sabe disso. Essa competência é privativa da União. Então por que esse projeto foi proposto? Para debater ideologia de gênero. Eu respeito, vereador Fred, que o senhor queira debater ideologia de gênero, defender os seus ideais e dar voz ao pensamento dos seus eleitores. Porém, esse projeto de lei não faz isso. Esse projeto de lei quer se imiscuir em uma discussão sobre gramática da língua portuguesa e, para isso, existe o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa de 2009”.

A parlamentar afirmou que o Vocabulário Ortográfico não inclui palavras como “todes”, mas prevê variações linguísticas. Ela mencionou que, caso fossem implementados, projetos como o votado nesta terça-feira poderiam prejudicar o estudo de autores clássicos nacionais que se utilizam dessas variações para escrever, como o mineiro João Guimarães Rosa.

“Vocês quiseram acertar na ideologia de gênero, com todo o respeito, mas acertaram em João Guimarães Rosa. Não existe língua portuguesa sem flexão. Outra coisa que precisa ser explicada aqui é que, sem esse projeto de lei, as crianças não serão obrigadas a aprender ‘todes’. O que ele quer é proibir uma coisa que nem existe. Vamos deixar a língua portuguesa ser dinâmica e viva, porque é isso que a gente ama nela, e o debate ideológico a gente trazem matérias diferentes”.

Sobre a proposição – O projeto de lei número 206/2020 foi apresentado pelo vereador Fred Ferreira à Câmara do Recife, no dia 16 de dezembro de 2020. A proposição chegou à primeira votação no plenário, nesta terça-feira, sem o parecer das comissões temáticas permanentes da Casa, ou seja, não foi analisada pelas comissões. É que, conforme o artigo 31, parágrafo 19, da Lei Orgânica do Recife, um projeto de lei que passar dos 60 dias sem parecer dos colegiados, pode ser incluído pelo autor na pauta para votação, mesmo que não tenha sido analisado.

Câmara do Recife

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