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A prisão após condenação em 2ª instância é constitucional?

O presente artigo é um substrato da minha monografia aprovada para conclusão do curso de bacharelado em Direito na Universidade Católica de Pernambuco.

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O princípio da presunção de inocência, tal como estabelecido na Constituição, pode ser conciliado com a execução provisória da pena antes mesmo da sentença penal condenatória haver transitado em julgado?

Contrariando o entendimento de juristas como Modesto Carvalhosa e Ives Gandra Martins, afirmo que não. A redação da presunção de inocência prevista no inciso LVII, do art.5° da Constituição da República Federativa do Brasil é taxativa: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. A literalidade desse texto constrange qualquer interprete da norma, a leitura exata desse princípio não comporta relativizações.

Entenda, vivemos sob a égide de um Estado de Direito, e isso implica dizer que todos nós vivemos sob o império da lei, ou seja, o ordenamento jurídico que nos rege deve ser respeitado e aplicado a todos sem distinção. Caso os próprios operadores do direito entendam de maneira diversa, estão necessariamente contribuindo para a subversão do Estado de Direito, e isso tudo é agravado por se tratar de uma garantia fundamental da Constituição, que é a estrutura de todo o nosso ordenamento jurídico. Quero dizer que uma vez aberto o precedente, no que diz respeito à relativização da presunção de inocência, dificilmente conseguimos fechá-lo, e se isso é feito com uma garantia fundamental, constitucional, o que esperar das relativizações que podem ser feitas com as demais leis que nos protegem inclusive, e principalmente, do próprio Estado?

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A segurança jurídica que é tão cara a qualquer nação, seja para o seu desenvolvimento e estabilidade social, mas também econômica, política, jurídica e etc., não é somente aviltada por decisões contraditórias sobre o mesmo tema num espaço curto de tempo e sem razão para tanto, mas também por relativizações indevidas de normas fundamentais e que não permitem interpretações diversas.

A via buscada pelo controle de convencionalidade também não cabe para o caso em tela. Esse tipo de controle nada mais é que a obrigação que país supostamente tem de compatibilizar as suas normas de direito interno com as convenções internacionais sobre direitos humanos das quais faz parte. Ele não é cabível para a presunção de inocência, pois: primeiramente, a Constituição é a norma máxima dentro hierarquia do ordenamento jurídico brasileiro; segundo, de acordo com o artigo alínea “d”, inciso III, do artigo 102 da Constituição, compete ao Supremo Tribunal Federal a guarda da Constituição, cabendo a ele decidir ou não pela inconstitucionalidade de um tratado, mediante recurso extraordinário, ou seja, é a própria Constituição que prevê as ferramentas de controle de constitucionalidade aos tratados firmados pelo Estado brasileiro e não o contrário; terceiro, a Emenda Constitucional nº 45 estabelece que os tratados e convenções, sobre direitos humanos, aprovados nas duas casas legislativas, em dois turnos, e por maioria de 3/5, serão equivalentes às emendas constitucionais, mas, como o princípio da presunção de inocência faz parte do rol dos direitos e garantias fundamentais defendidos pela Constituição em seu artigo 5º, e de acordo com o inciso IV, do § 4º, do artigo 60 da Carta Magna,os direitos e garantias individuais não podem ser alterados por Emenda Constitucional,a não ser que seja no sentido de ampliar esse direito, logo um tratado sobre direitos humanos não poderia restringir algum direito ou garantia fundamental; quarto, a jurisprudência estabelecida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Habeas Corpus nº 87.585/TO, diz que os tratados internacionais sobre direitos humanos tem caráter supralegal dentro do ordenamento jurídico brasileiro, se posicionando abaixo da Constituição e acima das legislações nacionais; quinto e último, o Brasil é uma nação soberana, e somente por este motivo tem a capacidade plena de celebrar tratados e convenções de quaisquer naturezas, não podendo esses tratados se sobreporem às normas fundamentais de direito interno. Portanto, na realidade o controle de convencionalidade se trata de uma ferramenta daquilo que é entendido como globalismo, ou seja, uma forma da ordem jurídica internacional se impor sob a ordem jurídica nacional de estados soberanos. Ora, a ordem internacional existe pelo conjunto voluntário de estados soberanos e não o contrário.

O argumento da criminalidade também não pode ser aplicado para esse fim, pois caso essa tese fosse válida, ela também deveria valer, a título ilustrativo, para relativização da pena de morte, por exemplo, que é proibida pela Constituição, algo que muito provavelmente diminuiria os índices de criminalidade.

No entanto, esse meu posicionamento em nenhuma medida prejudica as considerações que ainda vou fazer.

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Não se pode olhar com inocência para esse instituto, pois, a utilização da lei como instrumento para fuga das consequências de sua violação sabota o Estado de Direito tratando-o como um fim em si mesmo, e não um como meio para um fim, que é a sua real natureza.

A interpretação literal da redação da presunção de inocência é o entendimento jurídico correto, mas ela comporta uma série de problemas que justificam e torna necessária a sua alteração, não pela interpretação relativista, ou por imposições supranacionais, mas sim pelos meios disponíveis na própria Constituição.

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A afirmação: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” é uma afirmação meramente jurídica, técnica e arbitrária. Aquele que por ventura for culpado pelo cometimento de um crime, o será independentemente do que diz a lei. Entretanto, a lei precisa existir para garantir que o suspeito de cometimento de um crime receba o julgamento adequado e o verdadeiro culpado seja devidamente punido nos parâmetros legais.

Ocorre que o processo penal estabelece um sem números de procedimentos para evitar o cometimento do grave erro de punir um inocente. Tanto é assim que prevê, por exemplo, o princípio do duplo grau de jurisdição, que estabelece que, mesmo alguém sendo condenado pelo juiz originário de uma causa, esse processo poderá ser reapreciada por um órgão colegiado de novos juízes que reexaminarão os fatos e o direito e proferiram nova sentença, confirmando ou negando a primeira. Torna-se razoável defender que, passadas essas etapas, a culpabilidade do réu resta provada, e não puni-lo devidamente conforme a acórdão, a partir desse momento, apesar de constitucional, passa a desequilibrar a balança da justiça.

A presunção de inocência absoluta, como consagrada na carta constitucional, merece as justas críticas feitas a ela. De fato ela contribui para a impunidade, e de forma indireta para o aumento da criminalidade, prejudicando a efetividade do processo penal, e o dever do Estado de garantir segurança a sociedade; Contribui dessa maneira para o uso indiscriminado de recursos processuais com fins protelatórios, sendo que os números do STJ, por exemplo, demonstram que a porcentagem de réus absolvidos após interposição de recursos é abaixo de 1%.

Essa formulação constitucional da presunção de inocência também cria uma condição sócio-jurídica que se encaixa perfeitamente no conceito de Estado de Exceção, tal como entendido pelo filósofo italiano Giorgio Agamben em Estado de exceção: [Homo Sacer, II, I] (2003), qual seja: Estado de Direito para aqueles com força financeira e influência política para impetrar recursos protelatórios e aguardar a prescrição dos seus crimes em liberdade, e Estado de Exceção para o restante dos cidadãos comuns que muitas vezes não conseguem contratar advogados ou defensores públicos, sendo mantidos presos por prisão em flagrante ou preventiva.

A única solução que entendo ser viável para resolver esse estado de coisas, ocasionado pela péssima redação desse princípio concebido pelo constituinte originário, é a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição nº 199-     A de 2019, do Deputado Federal Alex Manente (Cidadania/SP), que altera os artigos 102 e 105 da Constituição, transformando os recursos extraordinários e especiais em ações revisionais de competência originária do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça respectivamente, isto é, o trânsito em julgado de uma ação penal se dará com o término do julgamento em 2ª instância.

Portanto, o princípio da presunção de inocência tal como estabelecido na Constituição, é uma norma com péssima redação, que provoca consequências nefastas, e que por esta razão precisa ser modificada com urgência, porém, pelas vias corretas previstas pela própria Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

Por: Jason Medeiros

Jason de Almeida Barroso Medeiros, 27 anos, bacharelando em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco; Oficial da Reserva do Exército Brasileiro pelo CPOR/R; Colunista do Portal de Prefeitura; Entusiasta da filosofia política e editor do perfil @ocontribuinteoriginal no Instagram.