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Artigo: Razão, revolução e resolução – Por Jason Medeiros
O uso da razão é o melhor e único modo de resolver problemas compartilhados?
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O uso da razão é o melhor e único modo de resolver problemas compartilhados?
A maioria de nós, para não dizer todos nós, julgamos que existem inúmeros problemas compartilhados no seio da nossa sociedade contemporânea, sejam guerras, desigualdade social, poluição ambiental, violência urbana, liberdade mitigada e etc. Tendo isso em vista, muitas pessoas acreditam que esses são efeitos de causas como capitalismo, religião, família, leis, costumes, preconceitos, competições, tradições, e outras razões. Conscientes dos efeitos, mas supostamente conscientes das causas, muitos intelectuais teorizam sobre como solucionar esses e outros problemas, para assim atingirmos uma sociedade ideal, ou pelo menos uma muito melhor que a que temos.
Esse não de modo algum um traço exclusivo do homem do novo milênio. Na medida em que há problemas (e sempre houveram, e sempre haverão), existem homens querendo solucioná-los. Isso certamente é positivo, porém, tem um caráter negativo que poucas vezes é notado. Esse caráter negativo é justamente a identificação exata da causa de um problema coletivo, que quase todas as vezes tem múltiplas origens, dificilmente discerníveis ou mesmo não identificáveis.
Ocorre que, imbuídos de um sentimento revolucionário e de iluminação, certos personagens, grupos, movimentos políticos, elegem um “bode expiatório” que deve ser extirpado do tecido social, a fim sanar o problema causado supostamente por ele. Exemplos históricos de movimentos assim foram o Iluminismo, com sua máxima expressão na Revolução Francesa, no século XVIII, e as revoluções comunistas e políticas em geral, durante todo o século XX.
Na esteira da Revolução Científica, o movimento político-filosófico conhecido como Iluminismo era assentado no culto à “razão”, e contra toda autoridade vigente, fosse ela social, política, econômica, religiosa, etc., que eram consideradas por seus filósofos como responsáveis por fomentar os conflitos humanos. Do mesmo modo, na esteira da Revolução Industrial, os movimentos políticos-filosóficos que irromperam no cenário mundial no início do século XX, especialmente o comunismo soviético, o nacional-socialismo alemão, e o fascismo italiano, foram assentados no culto à “ciência”, e eram contra a ordem estabelecida, fosse ela política, econômica, etc., supostamente responsáveis pelas misérias e conflitos entre os homens. Detalhe, todos esses movimentos terminaram em banhos de sangue, e tornaram a realidade dos povos mais carentes das suas regiões, e áreas periféricas, ainda mais miserável que antes da execução dos projetos revolucionários. A esse respeito, ler, por exemplo, O Antigo Regime e a Revolução (1856) de Alexis de Tocqueville (1805-1859); A tragédia de um povo, a Revolução Russa de 1881-1924 (1996) de Orlando Figes; Etc.
Outro dado curioso a respeito dos movimentos de massa é que eles são empreendidos supostamente em nome da população, mas na realidade se restringem aos interesses de grupos minoritários, especialmente intelectuais que consideram verdadeiros representantes das classes as quais não pertencem. A esse respeito, consultar, por exemplo, Psicologia das Multidões (1895) de Charles-Marie Gustave Le Bon (1841-1931); Invasão Vertical dos Bárbaros (1967) de Mário Ferreira dos Santos (1907-1968); Ciência, Política e Gnosticismo (1968) de Eric Voegelin (1901-1985); Fogo nas Mentes dos Homens: Origens da Fé Revolucionária (1980) de James Billington (1929-2018); A Nova era e a Revolução Cultural (1994) de Olavo de Carvalho (1947-2022); Revolução (2002) de Mark Almond; Etc.
Um exemplo de filósofo iluminista foi Jean-Jacques Rousseau (1712-1797) que no seu O Contrato Social (1762) apresenta sua concepção antropológica o homem, afirmando que ele era um “bom selvagem” resistente em ser submetido a qualquer forma de autoridade, ou seja, uma espécie de reatância psicológica. Para Rosseau a única autoridade legítima era a “vontade geral”, a soberania da massa, e não a ordem religiosa, a tradição, ou qualquer outra que não aquela.
Extremamente crítico à Rousseau e à Revolução Francesa foi o político irlandês Edmund Burke (1729-1797), que nas suas Reflexões sobre a Revolução na França (1790) criticou a “razão” dos iluministas, afirmando que uma sociedade deve-se valer da razão contida nas tradições, costumes, leis e etc.:
“Estamos receosos de colocar homens para viver e negociar cada um pelo seu próprio estoque privado da razão, porque nós suspeitamos que este estoque em cada homem é pequeno, e que os indivíduos fariam melhor em se valer do banco e do capital gerais das nações e das eras”.
E, em função das premissas antropológicas e sociais utópicas, irreais, falsas, mas supostamente racionais, nas mentes de fiéis ardorosos, Burke previu com antecipação assustadoramente precoce, o caráter violento da Revolução Francesa. Você poderá encontrar uma discussão mais detalhada sobre isso em “A profecia de Burke” no livro Civilização: Ocidente x Oriente (2011) de Niall Ferguson.
Outra figura relevante que criticou a “razão” do movimento iluminista e a sua depreciação do tradição foi o filósofo Hans-Georg Gadamer (1900-2002), em Verdade e Método I (1960), afirmando que ao fundamentar tudo na “razão”, fazendo dela uma ferramenta para alcançar suas utopias, esqueceram que não se pode partir do zero, que estavam eles próprios inundados por preconceitos históricos pertencentes àquela época, e que a tradição também pode ser fonte de verdade.
Já um exemplo de utopia comunista é a sociedade sem lei, sugerida por Friedrich Engels (1820-1895), na parte 3, capítulo 2, sobre a “extinção do Estado”, em Anti-Dühring (1877); ou o “comunismo integral” previsto por ele e Karl Marx (1818-1883) em A Ideologia Alemã (1845), onde também se lê:
“na sociedade comunista, onde cada um não tem um campo de atividade exclusivo, mas pode aperfeiçoar-se em todos os ramos que lhe agradam, a sociedade regula a produção geral e me confere, assim, a possibilidade de hoje fazer isto, amanhã aquilo, de caçar pela manhã, pescar à tarde, à noite dedicar-me à criação de gado, criticar após o jantar, exatamente de acordo com a minha vontade”.
Não esqueçamos como Marx e Engels disseram que seria o modo de conquistar seus objetivos no Manifesto do Partido Comunista (1848):
“Os comunistas se recusam a dissimular as suas opiniões e intenções. Eles declaram abertamente que os seus objetivos só podem ser atingidos com a derrubada violenta de toda a ordem social existente”.
Crítica análoga à de Burke, porém direcionada ao projeto socioeconômico comunista, foi aquela produzida por Ludwig von Mises (1881-1973) em Socialismo: Uma Análise Econômica e Sociológica (1922) e desenvolvida por Friedrich Hayek (1899-1992) em Individualismo e Ordem Econômica (1948), onde basicamente afirmam que numa sociedade sem livre mercado, ou seja, sem propriedade privada, o sistema de preços é destrído, e se isso ocorre tendemos ao colapso econômico, social e politico, pois a verdadeira função do sistema de preços é fornecer informação sobre escassez, abundância, oferta, demanda, e etc.
O filósofo Roger Scruton (1944-2020) em Conservadorismo: Um Convite à Grande Tradição (2017), explica que muitas dessas utopias veem a competição como a mais importante causa dos nossos problemas. De acordo com Scruton eles estão certos, mas só em parte, pois apesar dela ser a principal causa dos nossos problemas, muitas vezes a competição também é sua solução de várias outras adversidades, além de ser elemento constituinte da nossa natureza social, “e, portanto, é necessidade primária assegurar que essa competição seja pacífica e que os conflitos possam ser solucionados”. Para conferir como a o jogo e a competição são componentes primários da cultura e da sociedade, estudar, por exemplo, Homo Ludens (1938) do Johan Huizinga (1872-1945) e A Violência e o Sagrado (1972) de René Girard (1923-2015).
Mesmo na Grécia Antiga, Aristóteles (384-322 a.C.) já enfatizava que a razão é uma característica distinta da natureza humana, não tendo qualquer dúvida que ao exercita-la encontramos diversos modos de solucionar problemas. Porém, para ele já era claro que quando um grupo se utiliza do expediente puro da razão para a solução de um problema compartilhado, mesmo assim uma resposta ponderada pode não surgir, ou seja, racional e razoável podem divergir. Essa discussão é empreendida na sua obra Política, especialmente nos seis primeiros capítulos do livro II, onde ele afirma: “o que é comum à maioria recebe menos cuidado; pois eles se preocupam mais com os bens particulares, e menos com os bens comuns, ou na medida que atinge cada um deles” (Política, II, 3, 1261b). Para mais informações sobre a questão da “razão compartilhada” sugiro consultar o artigo A Tragédia dos Comuns (1968) de Garrett Hardin (1915-2003).
Uma outra forma de ilustrar a questão da “razão coletiva” são os dilemas do carona e do prisioneiro, problemas estudados na Teoria dos Jogos (ramo da matemática que estuda situações estratégicas onde as ações dos jogadores são interdependentes). Vejamos o dilema do prisioneiro, ele funciona mais ou menos assim:
A polícia prendeu dois suspeitos do cometimento de um crime. A polícia não tem provas suficientes para condená-los, por isso os coloca em salas diferentes, para que não se comuniquem, e os oferecem o mesmo acordo:
Como os suspeitos estão em salas separadas, não sabem a decisão que o outro irá tomar, e sendo assim, a única escolha racional para ambos é trair o comparsa, ou seja, negar que cometeu o crime e acusar o outro. Porém, a melhor opção seria se ambos ficassem calados. Ou seja, esse dilema ilustra como escolhendo racionalmente, os prisioneiros agem de maneira oposta ao melhor interesse de ambos.
Desse modo, podemos concluir que nem sempre existem boas soluções para os problemas sociais mais complexos, pois existe uma miríade de interesses, de comportamentos individuais, coletivos, variáveis no tempo e no espaço, que impossibilitam a plena catalogação e ajuste dessas variáveis, como num cálculo matemático ou programação de computador, para a execução de projetos que supostamente visam o bem coletivo, por um único grupo, seja ele formado por políticos, professores, cientistas, artistas, filósofos, economistas, ambientalistas, urbanistas, etc. Na realidade, como vimos, muitas vezes esses projetos ou agravam os problemas que visavam solucionar, ou criam outros que não eram esperados. Isso se dá principalmente quando a mudança é feita de modo abrupto, radical, como desejam os revolucionários, nesses casos os que mais sofrem com a ruptura são aquelas classes mais pobres e que mais necessitam de algum tipo de ajuda e mudança. Exemplos incontáveis e atuais disso foram muitas das políticas públicas adotadas em nome do enfrentamento da pandemia de coronavírus ao redor do mundo, por uma classe política e científica que supostamente sabia o que estava fazendo, e se contradisseram do início ao “fim”. Isso não significa que eu esteja sugerindo que não existem soluções para os problemas coletivos e que não devemos buscá-las, muito pelo contrário, devemos sim fazer isso, porém com muita cautela e afim de preservar as instituições, os costumes, a tradição, reformando o necessário, permanecendo com aquilo que nos sustenta e nos fez chegar até aqui, e deixando para trás os excessos que impendem preservação e avanço da nossa civilização, ou seja, aplicando sim a razão, mas na exata medida em que lhe compete, sem pretensões megalômanas.
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Formado em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco; Bacharelando em Filosofia pela UFPE; Aspirante a Oficial da Reserva do Exército Brasileiro pelo CPOR/R; Jornalista com coluna no Portal de Prefeitura; Entusiasta da Política e Editor-chefe do perfil @ocontribuinteoriginal no Instagram.
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