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Artigo: Reflexões de uma amazonense sobre a Pandemia e sobre Bolsonaro

Em “Canção do Exílio”, Gonçalves Dias declamou: “Minha terra tem palmeiras onde canta o sabiá. As aves que aqui gorjeiam, não gorjeiam como lá” . Se eu parafraseasse esse poema, diria que Manaus tem uma natureza de exuberância tão sedutora que sábias ou palmeiras não nos causariam a menor inveja.

Minha terra é linda. Nossos rios são tão imponentes que lembram mares. Em nossas matas ainda há locais de riqueza sagrada intocada pela chamada Ciência.

Nossas tempestades são um poderoso coro de águas, trovões e relâmpagos. Esses elementos juntos fazem jus a um poderoso coral que, com cantos e danças, homenageia o Criador. Diria que em solo manauara a natureza se expressa com muita autoridade.

Mas o estado no qual nasci recebeu fama repentina por coisas muito ruins nesta pandemia.

A sensação de desespero diante de hospitais lotados tem feito com que a mente do meu povo convulsione. Unidades médicas trancam as portas diante de enfermos que fazem tudo o que conseguem no momento: gemer e implorar por ajuda.

Parentes levam as camas que tem em casa para as unidades de saúde. Fazem isso na expectativa de que equipes medicas encontrem maneira mais digna de alocar pacientes. Pois é: por lá faltam até equipamentos básicos, como macas.

Se existem gestões corruptas neste país, parece que meu Estado consta na lista. Nesta época de extrema fragilidade física e psicológica causadas pela Covid-19, muitos do meu povo foram roubados até mesmo do direito de acesso a vacinas.

Algumas autoridades amazonenses tem sangue nas mãos. São gente irresponsável. Eles têm negociado vidas humanas em troca de enriquecimento ilícito proveniente de corrupção. Há indivíduos vendendo vacinas contra a Covid-19 para quem pode pagar altas somas.

Políticos assim agem como assassinos cruéis, feras vorazes que não se compadecem dos idosos, dos enfermos nas UTIs e nem mesmo de profissionais da Saúde que tentam salvar vidas. É para essas pessoas que as vacinas deveriam ir, gratuitamente.

Faltou oxigênio no meu amado Amazonas. O que pode ser mais desumano do que a omissão de alguns perante o desespero de quem tem dificuldade para respirar?

Nossos líderese estão enviando pacientes para outras cidades porque não conseguem tratá-los. Muitos veem solidariedade nesse ato. Boa parte dos responsáveis por essa ação foram inspirados pela empatia. 

Mas, infelizmente, outra imagem que fica de Manaus para o mundo é outra. É a de que estamos abandonando aqueles que deveriam ser cuidados através de uma política mais responsável.

Condutas criminosas na prática de compras sem licitação engrossam a lista das decepções que tem atingido o povo amazonense. Como se não bastasse, o furto da esperança também é diário por lá.

Muito me impressiona a postura de nosso presidente para com Manaus. Alguém me disse, num dia desses, que Bolsonaro deveria colocar as Forças Armadas para administrar a vacinação contra o Coronavírus em Manaus. Dessa forma, a venda de vacinas para quem pode pagar mais seria fortemente inibida. Não sei se é uma ideia implementável.

Lamento que, ainda que o fosse, acho que meu presidente não a consideraria. Tenho a impressão de que ele continua fazendo da briga com sua oposição tudo o que importa.

Não vejo dele nenhuma postura direta de apoio aos amazonenses, mas o vejo ditando impropérios exaltados contra jornalistas que o acusam por qualquer coisa.

Nem sempre um governante irá concordar com a imprensa. Todavia o papel dela é manter olhos e boca abertos. Se ela mentir, há maneiras de contestá-la. Se inventar algo, pode ser contraditada em Tribunais de Justiça.

Não mudaria o voto que dei nas últimas eleições presidenciais. Porém, se me fosse possível conversar com Bolsonaro, eis o que eu lhe diria:

a) Mostre a compaixão de um estadista digno do seu cargo aos brasileiros a quem governa. Faça-o especialmente para com o povo amazonense. A população precisa ver que o senhor realmente se importa com ela. Há momentos em que mostrar empatia é mais importante do que falar sobre tabelas e gráficos de ganhos econômicos.

b) Seja exemplo. Não se junte a aglomerações e dê aos que o cercam o entendimento da necessidade do uso de máscaras e de distanciamento social.

c) Mostre maturidade. Palavrões e linguagem vulgar não são o ápice da boa comunicação. Essas atitudes reforçam uma imagem de destempero emocional incompatível com quem deseja gerar confiança para ser reeleito. Se não for de seu feitio se controlar em meio a hostilidades recebidas, justa ou gratuitamente, pratique o silêncio.

d) Encare a imprensa que não lhe é simpática como algo menos pessoal. Faça bem o seu trabalho, divulgue muito os seus acertos e conquistas para o seu país. Consequentemente, deixe que a população veja o quanto são infundadas as injustiças que levantarem contra o senhor.

De igual forma, se me fosse ofertada a oportunidade de me dirigir a todos os meus conterrâneos amazonenses, eu lhes diria:

a) Os olhos do mundo estão agora sobre vocês. Áreas políticas, sociais e médicas estão lutando por vocês. Há uma grande pressão acontecendo para que vocês sejam alvo de toda a ajuda que precisam nesta pandemia. Tenham esperança.

b) Não sejam inconsequentes nas eleições políticas em Manaus daqui para a frente, não importa se sejam minoritárias ou majoritárias.

c) O mundo está orando e torcendo por vocês. Daqui a pouco a alegria vai voltar a frequentar nossas ruas e abraçaremos de novo nossos parentes e amigos.

d) Voltaremos a mostrar ao mundo as maravilhas que temos. Nunca deixamos de atrair gente do planeta inteiro para conhecer o que nossa gente, nossa culinária, nossa cultura e nossa vegetação tem de melhor. Nosso abraço voltará a ficar disponível para o mundo inteiro. E, se Deus quiser, isso não vai demorar para acontecer.