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Artigo: Enlutados de 2020 ainda poderão sonhar com um Ano Novo

Já vi, dito por inúmeras pessoas, que o segredo da felicidade pessoal é não se comparar com ninguém. É preciso aceitar que cada um tem sua história, seu caminho, seu tempo. Você também já ouviu isso em algum lugar?

Enquanto pensava na construção de minhas metas para 2021, essa teoria ficou orbitando minha mente. Mas ela perdeu o poder gravitacional quando tentei ser empática com todo mundo que teve sérias perdas em 2020.

Imaginei o que alguém que perdeu um ente querido por Covid-19, por exemplo, escreveria como metas para fazer no ano novo. Tentei ser essa pessoa por alguns minutos. Daí, peguei papel e caneta e imaginei quais sonhos e ambições teria eu a partir de agora.

O exercício se estendeu por quase uma hora. O que escrevi em minha agenda? Absolutamente nada. Tive, então, que escolher outro ponto de partida, ainda “vivendo sob a pele” dos enlutados.

De repente voltei àquele pensamento descrito no primeiro parágrafo desse texto: a comparação com os outros. Mas, agora, havia outra perspectiva.

Se chegamos ao fim de nossa capacidade de ter esperança, a saída pode estar em nos compararmos a outra pessoa que também sofreu demais. Todavia, há um ponto crucial nessa comparação. É preciso escolher o inspirar-se em alguém que conseguiu achar um jeito de conviver com a dor sem ser implodido por ela.

Não é comum a gente ter muitos amigos com fortes histórias de superação na vida. A maioria de nós convive com indivíduos cuja maior dor de alma é receber uma crítica comportamental ou política em redes sociais.

De volta ao meu exercício (do qual falava há poucos instantes), me perguntei aonde encontraria indivíduos cujas trajetórias ajudariam a minha. Imediatamente pensei em alguns locais.

Há instituições que trabalham com indivíduos que passam por situações muito difíceis. Elas auxiliam os outros a seguir em frente, de alguma forma. Uma delas é a AACD. Outras são as Associações de Cegos. Há também os Alcoólicos Anônimos, só para ficar em exemplos mais famosos.

Existe um imenso número de locais que se especializam em cuidar física ou emocionalmente de pessoas com algum tipo de vulnerabilidade complexa. Não a vulnerabilidade mais estética (mulheres, negros, gays, etc). Falo da fragilidade incapacitante mesmo, que atinge indelevelmente o corpo ou a mente de um ser humano.

Imagino que 2021 seja um ano muito interessante para investirmos em maior aproximação desses tipos de estabelecimento. Não apenas para contribuir financeiramente. Parece-me existir um poderoso impacto em conhecer pessoas que, num absoluto deserto existencial, conseguem, literalmente, florescer na vida que possuem.

Ao invés de procurar gurus cuja palestra tem preços áureos, por que não ouvir a sabedoria do cego que anda por nossas ruas a despeito da convivência ininterrupta dele com a mais perfeita escuridão?

Que tal ser inspirado pelo sorriso de quem adquire um movimento físico novo pela ajuda de um equipamento fisioterápico? Que tal aprender com aqueles que assumem coexistir com certos vício de proporções sociais, mas que o vencem diariamente?

Pode ser que 2021 traga um ano de extrema sabedoria para muita gente que teve furtada, há pouco, a própria vontade de existir. Mas não é apenas no mito da Fênix que é possível o ressurgimento das próprias cinzas. Nem foi apenas nas paginas bíblicas que Jesus Cristo deu a mortos uma segunda chance.

O começo de tal ressurreição na sua vida, caro leitor enlutado, bem que pode residir em olhar nos olhos quem, antes de você, levou rasteiras fatais (ou quase) da vida. Se a vida tem guerreiros que se erguem e ainda conseguem sorrir, quanto não terão eles a ensinar a mim, a você e a todos nós? Pense nisso.