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Artigo: O Ódio venceu a Ética na Web?

Às vezes me pergunto se grande parte de tantos melindres da nossa geração nas redes sociais não teriam um pé no analfabetismo funcional. Temos uma multidão de corações partidos e igualmente ferozes se manifestando por todos os canais que a web propõe à modernidade.

Não se trata mais de captar a intenção de uma existência real de dolo nas palavras, posturas ou vídeos alheios. Boa parte dos internautas já atribui imediatamente as intenções mais pejorativas possíveis àquele que emitiu seu parecer sobre algo pelas redes sociais. A base desse comportamento é, muitas vezes, a mera discordância entre opiniões que, digamos, não tem a menor  importância para a sobrevivência da humanidade. 

Muitas aulas de figuras de linguagem parecem não ser de domínio realmente público. Julgamos ironias e hipérboles como fatos concretos nos vídeos e áudios uns dos outros. O sarcasmo não é entendido pela nossa cognição tal qual ele é. Confundimos as grandezas matemáticas e geográficas de um jeito que qualquer estatística nos seduz. Nosso critério de avaliação lógica é a lógica de que o dado saiu de certo órgão portador de algum tipo de credencial oficial.

Por tempo demais ficamos desprovidos de ferramentas que nos ajudariam a chegar a uma melhor compreensão de nós  mesmos e dos outros no mundo. Consequentemente, gravitamos (nós nos empurramos, na verdade) para o centro da atenção do que todo mundo diz ou faz. Por causa dessa ilação fantasiosa achamos que tudo nos ofende, humilha, magoa e quer nos destruir. Então decidimos retrucar imediata e agressivamente à voz dissonante.

Não criamos mais um espaço mental entre o que ouvimos e a conclusão à qual chegar. Não temos mais dúvida nenhuma. Ficamos ofendidos, e pronto. Em nossa mente tal certeza justifica um contra ataque muitas vezes até brutal de nossa parte. Nós nos sentimos odiados e respondemos com ódio vários tons acima da suposta provocação.

Ao longo de nossa formação como indivíduos, em que ponto fomos obrigados a abandonar nossa capacidade de pensar?

Grande parte da função das redes sociais se transformou numa extensão de brigas e de contínua lavagem de roupa suja para muita gente. Até políticos e outros líderes de peso foram capturados por esse hábito. Todo mundo quer dizer que tem razão. E o faz às custas de insinuações cujo objetivo é humilhar, ofender ou descredenciar quem, de alguma forma, parece contestar-nos.

Se eu e você continuarmos atacando as pessoas nas redes isso nunca vai parar. Pior: corremos o risco de, como se diz no Direito, produzirmos provas contra nós mesmos. Afinal, a raiva nunca teve fama de ser a mais prudente das conselheiras.

É duro usar criativamente o silêncio quando um indivíduo nos ofende raivosamente pela web? Que jamais ninguém duvide disso! Mas é preciso ter coragem de romper esse ciclo de, literalmente, discursos de ódio. O sábio uso do silêncio também pode contribuir para desarmar o ofensor. No final, o ódio bem que poderá ficar reverberando até perder-se em si mesmo.

Precisamos nos lembrar de que ainda há a possibilidade de as pessoas tratarem suas diferenças pessoalmente. Será que não seria melhor trazer esse costume à moda de novo? Se o fizéssemos, penso que a tranquilidade psicológica da idade contemporânea experimentaria uma abundância sem precedentes de bons frutos.

E quanto àquelas ofensas que já se tornaram matéria de preocupação criminal? Pois bem, há instâncias para tratar disso em boa parte do mundo.

Para muitos a Verdade está na intensidade do barulho que fazem. Por isso eles usam a internet como um megafone através do qual gritam infindas acusações e raras proposições. Mas a Verdade nunca divorciou-se da Ética nem prescindiu da Sabedoria. A Verdade também nunca precisou do Ódio para disseminá-la.

Da próxima vez em que for provocado a algum revide nas redes sociais, experimente mudar de atitude. Talvez você descubra que faz muito mais sentido a sua paz de espírito procurar no privado aquele que o acusa. Se essa postura não for possível, procure um bom advogado. Travar batalhas usando o ódio do outro como arma pessoal só vai empatar, indefinidamente, nossas guerras.