ALEPE

Parlamentares condenam ato contra aborto em menina estuprada pelo tio

A mobilização convocada por grupos político-religiosos contrários à interrupção da gravidez de uma menina de 10 anos de idade, vítima de estupros cometidos pelo tio, mereceu repúdio de nove deputados nesta segunda (17), durante reunião da Comissão de Justiça. As manifestações ocorreram nesse domingo (16), em frente ao Centro Integrado de Saúde Amaury de Medeiros (Cisam), na Encruzilhada (Zona Norte do Recife).

O aborto legal foi autorizado pela Justiça do Espírito Santo, Estado de origem da criança, e a transferência para Pernambuco ocorreu após a recusa da equipe de um hospital em São Mateus (ES) em realizá-lo. Durante o debate nesta segunda, os parlamentares relataram que a menina, que chegou acompanhada pela avó e por uma assistente social, foi recebida aos gritos de “assassina” pelos manifestantes, que, além disso, tentaram invadir o hospital. 

A discussão foi levantada pelo deputado João Paulo (PCdoB) durante a votação do projeto que institui a Semana de Divulgação e Valorização do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). O parlamentar destacou que o Artigo 128 do Código Penal permite o aborto em caso de gravidez resultante de estupro e lamentou a presença de deputados estaduais no ato. 

“O que assistimos ontem foi a um total desrespeito ao ECA e ao Código Penal. Sabendo-se que 53,8% dos estupros em nosso País são de meninas abaixo de 13 anos, vimos a postura de parlamentares desta Casa desonrando as tradições de Pernambuco, com visão estreita e sectária, numa falsa defesa da vida”, observou.

Presidente da Comissão de Justiça, Waldemar Borges (PSB) referiu-se ao episódio como uma “barbárie, que deve ser lembrada para que jamais se repita”. O socialista condenou, especialmente, o que considerou exploração eleitoral da tragédia. “Eram pessoas fanáticas, ensandecidas, ameaçando invadir um hospital com doentes e mulheres gestantes sendo atendidas ou dando à luz. Se vivêssemos à época da Inquisição, aquelas pessoas estariam na beira da fogueira, com fósforo para atear fogo em quem discorda delas”, afirmou. “Temos que repudiar esse retrocesso civilizatório que golpeia a democracia, o direito e chega ao ponto de querer resolver tudo no fanatismo e na violência”, prosseguiu.

Relatora da proposição que trata da semana para divulgação do ECA, a deputada Priscila Krause (DEM) reforçou que a menina, que estava no quinto mês de gestação, era estuprada pelo tio desde os 6 anos de idade. “Todos os dispositivos do Estatuto têm o objetivo de proteger a criança e o adolescente, dando dignidade às vidas deles. Mas, ontem, vimos acontecer o contrário: a exposição e a potencialização do sofrimento incomensurável de uma criança. Uma ausência absoluta de caridade”, observou a democrata, que, para outros tipos de situações, posiciona-se contrária à legalização do aborto. 

“Cada estupro que essa criança sofreu foi um assassinato cometido a prazo, e a atitude que tiveram foi de assassiná-la um pouco mais. E o que me incomoda ainda mais é usar aquilo que se tem de mais íntimo e nobre, que é a fé, para se justificar uma postura inquisitória”, acrescentou.

Coordenadora da Frente Parlamentar da Primeira Infância e 1ª vice-presidente da Alepe, Simone Santana (PSB) frisou que os direitos da menina e os riscos que ela correria se levasse adiante uma gravidez, aos 10 anos, nem sequer foram considerados. “A sociedade, que deveria cuidar de nossas crianças e de seus direitos, apontou-lhe o dedo e a chamou de assassina. Os protestos poderiam ter acontecido, assim como as discordâncias, mas sem passar para a violência verbal, deixando de se pensar em como ela está do ponto de vista emocional, moral e físico”, ponderou a deputada.

Teresa Leitão (PT) pontuou que, por estar previsto no Código Penal, o aborto nesse caso dispensaria até mesmo autorização judicial. A parlamentar enfatizou que a Justiça capixaba e o Estado de Pernambuco adotaram todos os cuidados para preservar as garantias e direitos da garota. Segundo ela, o vazamento à imprensa sobre a transferência para o Cisam foi feito por um deputado da Alepe. “É esse o papel da Assembleia Legislativa?”, indagou. “Respeito a autonomia de cada mandato, mas a Casa terminou ficando exposta e está sendo cobrada”, emendou a 3ª secretária da Mesa Diretora.

Os deputados Tony Gel (MDB), Antônio Moraes (PP) e Isaltino Nascimento (PSB) somaram-se às críticas. Aluísio Lessa (PSB), por sua vez, disse que conheceu profundamente o complexo hospitalar da Universidade de Pernambuco (UPE), que inclui o Cisam, quando era secretário de Ciência e Tecnologia do Estado, e propôs um desagravo à instituição. “Houve uma violação à integridade de pessoas que, ao longo de suas vidas, têm cuidado da saúde de mulheres, muitas em situação de vulnerabilidade, não só de Pernambuco, mas de outras regiões”, declarou Lessa.

Votação –  Durante o encontro virtual, a Comissão de Justiça também aprovou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 13/2020, do Poder Executivo, que cria a Polícia Penal em Pernambuco por meio da transformação dos cargos de agente penitenciário. A matéria decorre da Emenda Constitucional Federal nº 104/2019, que instituiu as carreiras de policiais penais federais, estaduais e distritais. A nova categoria permanecerá vinculada ao órgão estadual responsável pela administração do sistema penal.

O colegiado deu aval, ainda, ao Projeto de Lei Complementar nº 1327/2020, que consolida as normas relativas à contribuição para o custeio das pensões militares e da inatividade dos militares estaduais, com base no disciplinamento estabelecido na Lei Federal nº 13.954/2019. Também ratificou outra proposição do Poder Executivo, que muda as competências e a composição do Conselho Estadual de Defesa Social, que passará de 34 para 38 integrantes.