Desvio

Prefeito de Tamandaré, Sergio Hacker, pagava “funcionários fantasmas” com verba do FUNDEB

Os promotores de Justiça Camila Spinelli Regis de Melo Avelino e Ivan Viegas Renaux de Andrad, da Comarca de Tamandaré, ajuizaram, hoje, uma ação de improbidade administrativa contra o prefeito de Tamandaré, Sergio Hacker, do PSB e contra a secretária de Educação do Município, Maria da Conceição do Nascimento, por manterem “dolosamente” funcionários fantasmas na prefeitura, que, segundo o MPPE, prestavam serviços particulares, como domésticas, na residência do gestor.

Segundo o MPPE, “No dia 02 de junho de 2019 a criança Miguel Otávio Santana da Silva faleceu em decorrência de uma queda do 9º andar de um dos prédios do condomínio Píer Maurício de Nassau, localizado no bairro de São José, no Recife. Segundo amplamente divulgado pela imprensa local e nacional, a criança era filha de Mirtes Renata Santana de Souza, empregada doméstica do Prefeito de Tamandaré, ora Requerido.” Ainda segundo o MPPE, “Com a divulgação, na imprensa, do nome da mãe e da avó da criança (Marta Maria Santana Alves), foi possível verificar, através do Portal da Transparência Municipal, que ambas eram servidoras públicas do Município de Tamandaré, exercendo cargo comissionado na Prefeitura desde o ano de 2017, no início da gestão de Sérgio Hacker.” Assim, afirma o MPPE, “a própria imprensa passou a veicular amplamente a notícia, o que ensejou a instauração, de ofício, do Inquérito Civil n.º 01619.000.002/2020, na Promotoria de Justiça de Tamandaré.”

“Em poucos dias, aportou na Promotoria a notícia de que uma terceira funcionária pessoal do Prefeito, Luciene Raimundo Neves, que trabalhava na residência de Tamandaré, também exercia um cargo comissionado na Prefeitura”, destaca o Parquet, na petição.

Em resposta a requisições do MPPE, a “Prefeitura de Tamandaré enviou três ofícios, um para cada funcionária, nos quais Sérgio Hacker, admitindo que elas prestavam serviço pessoal a ele e a sua família em sua residência, e não na Prefeitura, envia os documentos funcionais solicitados (em anexo) e informa ter ‘ressarcido’ integralmente o erário.”

Segundo o MPPE, com isso, ficou comprovado que Sergio Hacker teria cometido “atos de improbidade administrativa consistentes no dano ao erário, enriquecimento ilícito e na violação a princípios gerais da Administração Pública, notadamente os da moralidade, legalidade e impessoalidade.”

Após a publicização dos fatos, várias denúncias começaram a aportar no Ministério Público acerca da existência de outros ‘funcionários-fantasmas’ dentro da Administração Pública Municipal, o que será objeto de investigação mais aprofundada”.

“Mirtes Maria Santana de Souza, Marta Maria Santana Alves e Luciene Raimundo Neves, embora nomeadas para cargo de provimento em comissão na Prefeitura de Tamandaré, jamais prestaram serviços à Administração Pública Municipal”, aponta o MPPE.

Para o MPPE, porém, “o caso mais grave, contudo, é em relação a Marta Maria Santana Alves, que, não só era uma funcionária-fantasma no Município, como também era lotada na Secretaria de Educação e o seu pagamento era subtraído das verbas do FUNDEB, ou seja, de verbas destinadas ao ensino público do Município”. Destaque-se que as verbas do FUNDEB são, inclusive, federais.

“A referência a FUNDEB – 40%, destacada no contracheque acima, significa os 40% que pode ser utilizado na cobertura das demais despesas consideradas como de ‘manutenção e desenvolvimento do ensino’, previstas no art. 70 da Lei nº 9.394/96 (LDB), observando-se os respectivos âmbitos de atuação prioritária dos Estados e Municípios”, pontuam os Promotores, que ainda acrescentam: “os outros 60% dos recursos do FUNDEB deverão ser utilizados para pagamentos dos professores. Os 40% que foram utilizados para pagamento de Marta Maria deveria ter sido gasto em atividades como ‘aquisição, manutenção, construção e conservação de instalações e equipamentos necessários ao ensino (inciso II); ou aquisição de material didático-escolar e manutenção de programas de transporte escolar (inciso VIII), apenas para citar dois exemplos’”. Em suma, segundo o MPPE, “o Prefeito, nesses três anos, deixou de destinar cerca de R$ 72.564,01 (cálculos apresentados por ele mesmo) ao ensino público de Tamandaré para financiar o salário de uma trabalhadora pessoal.”

Para o MPPE, esse é “o exemplo máximo da cultura patrimonialista brasileira: dos políticos que não distinguem o público do privado; de quando se entende que o Estado pertence a quem está no poder.”

Como se não bastasse, ainda segundo o MPPE, “Constata-se, ainda, a imoralidade da situação quando, durante esse período, tanto Marta quanto Mirtes chegaram a receber adicional por produtividade!”

Confrontado, o prefeito confessou a improbidade, da qual tentou se safar ressarcindo os valores pagos pelo Município às três empregadas domésticas do gestor:

“Observa-se, a toda evidência, que Sérgio Hacker, Prefeito de Tamandaré, durante os anos de 2017 a 2020, até a tragédia do menino Miguel, remunerava suas funcionárias pessoais através da Prefeitura, por meio de uma simulação de vínculo público. Conforme confessado pelo próprio Prefeito, elas, embora vinculadas formalmente a uma “chefia imediata”, sempre foram, na verdade, submetidas ao próprio Prefeito”. E prossegue o MPPE: “Some-se a ele a atuação da Secretária de Educação que, como ordenador de despesas relacionadas ao Fundeb, nos termos do artigo 69, § 5º, da Lei 9.394/96, é responsável, em solidariedade como o Prefeito Municipal, pelos danos causados ao erário, pois, mesmo ciente de uma servidora em sua pasta que não prestava serviço nenhum, aquiesceu e silenciou”.

“Assim, durante todos esses anos, as funcionárias perceberam seus salários através do pagamento mediante depósito em conta corrente efetuado pelo Município de Tamandaré, sem nunca terem dado um dia de serviço na Prefeitura”, afirmam os promotores.

As funcionárias chegaram a ser ouvidas na Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas (DRACO), quando esclareceram, segundo o MPPE que nunca estiveram na Prefeitura de Tamandaré. Marta e Mirtes disseram que aceitaram ser pagas através da Prefeitura, pois acharam ‘natural’, tendo em vista que a prática era comum na família Hacker:

“… QUE a depoente concordou, pois não achou nada demais, já que outras pessoas também recebiam pela prefeitura, mesmo prestando serviços particulares a família; QUE esclarece que o tio de SÉRGIO (HILDO), já tinha sido Prefeito de Tamandaré/PE e fazia a mesma coisa (colocava seus funcionários para terem vínculo com a Prefeitura)…” (Mirtes Renata – grifo nosso).

Com relação às funcionárias, o MPPE não viu qualquer delito: “Sobre as funcionárias existe praticamente uma ‘inexibilidade de conduta diversa’. Tanto Marta quanto Mirtes eram empregadas domésticas de Sérgio Hacker antes de ele assumir a Prefeitura de Tamandaré. Em consulta à plataforma do Ministério do Trabalho, é possível verificar que Mirtes Renata iniciou o trabalho formal para Sérgio Hacker em 1º/10/2016; Marta Maria, por sua vez, possuía vínculos desde 09/06/2014. Assim, embora cientes de que eram remuneradas pela Prefeitura, constituem partes evidentemente vulneráveis na relação empregado-empregador, não sendo razoável exigir-se de uma pessoa humilde, que necessita do trabalho para sobreviver, recusar-se à indecente proposta do seu patrão. Além disso, demonstram existir uma certa ‘naturalização’ da prática.”

“No sentir do Ministério Público, portanto, ausente dolo/culpa na conduta das empregadas domésticas, sobretudo porque elas efetivamente prestavam o serviço à família Hacker, não havendo que se falar em enriquecimento ilícito propriamente dito”, concluem.

Para o MPPE, porém, “Situação totalmente diferente do Prefeito que, ciente da ilegalidade e imoralidade de sua conduta, tão logo os fatos vieram a público, cuidou de depositar na conta corrente do Município o valor que seria devido a título de ressarcimento ao erário, certamente com a intenção de afirmar, como de fato afirmou, à imprensa, de forma genérica, que o Município não sofreu prejuízo com o lamentável episódio, o que sequer corresponde a verdade como será visto nos autos.”

Ao MPPE, o prefeito apresentou comprovante de “ressarcimento”, com o cálculo respectivo subscrito pela Coordenadora de Controle do Município apontando os valores despendidos por Tamandaré com as três funcionárias, emite o DAM (documento de arrecadação municipal) no valor total encontrado pela Controladora e os transfere, mediante TED, à conta-corrente municipal, conforme certificado pelo Tesoureiro, mediante comprovante bancário.

O resultado foi o seguinte:

Mirtes Renata

R$ 73.582,48

Marta Maria

R$ 72.564,01

Luciene Raimundo

R$ 47.218,71

Total

R$ 193.365,20

Os promotores chamam atenção para o fato de “que este pagamento realizado pelo Requerido entra nas contas da Prefeitura, administrada por ele mesmo, sem a mesma vinculação constitucional das verbas retiradas da educação, por exemplo, razão pela qual, considerando a necessidade de uma conta específica para as verbas do FUNDEB recebidas diretamente pela Secretaria da Educação, o dano a estes cofres sequer foi reparado, havendo um déficit na Educação Municipal cuja sua gestora (Secretária de Educação) nenhum ato in concreto tomou para garantir a reparação dos danos em sua pasta. Vê-se que o réu reparou os cofres errados e, convenientemente, será o gestor destes recursos”.

Segundo o MPPE, “Resta, assim, devidamente provadas, que a conduta DOLOSA do requerido SÉRGIO HACKER CORTE REAL consistiu em claro ato de improbidade administrativa, nos exatos termos do art. 9º, caput e inciso IV, art. 10, caput e 11, caput, todas da Lei nº 8.429/92, bem como que a conduta da requerida MARIA DA CONCEIÇÃO CAVALCANTI DO NASCIMENTO constituiu em claro ato de improbidade administrativa nos exatos termos do art. 10, XIII, da Lei n.º 8.429/92.”

E conclui: “Assim, devem ser aplicadas ao primeiro réu as sanções previstas no art. 12, incisos I, II e III, e à segunda ré as sanções do art. 12, II, da multicitada Lei n.º 8.429/92.”

Contra o prefeito, portanto, o MPPE pede o ressarcimento dos danos, a perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos e pagamento de multa. Contra a secretária, pede a perda da função pública e dos direitos políticos e multa:

Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato: (Redação dada pela Lei nº 12.120, de 2009).
I – na hipótese do art. 9°, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, quando houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos, pagamento de multa civil de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos;
II – na hipótese do art. 10, ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos, pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos;
III – na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.

Entretanto, em caráter liminar, não foi pedido o afastamento nem do prefeito nem da secretária: o Ministério Público “REQUER seja determinado à Prefeitura de Tamandaré que comprove a destinação adequada do dinheiro devolvido, ou seja, que os valores correspondentes a cada funcionária seja incorporado à rubrica de origem, em especial, o valor de R$ 72.564,01 gasto dos 40% FUNDEB, eis que, em relação a ele, deve ser destinado ao desenvolvimento e manutenção do ensino público de Tamandaré, na forma do art. 300, caput, do CPC”, bem como “o ressarcimento integral do dano causado ao Erário pelos administradores públicos, o pagamento de multa civil de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial” e “a indisponibilidade dos bens do responsável quando o ato de improbidade causar lesão ao patrimônio público ou ensejar enriquecimento ilícito, devendo esta indisponibilidade recair sobre bens que assegurem o integral ressarcimento do dano, ou sobre o acréscimo resultante do enriquecimento ilícito”.

“Neste contexto, o Ministério Público requer, igualmente, em sede tutela de urgência, na espécie cautelar, o bloqueio dos bens e valores existentes em nome de SÉRGIO HACKER CORTE REAL e MARIA DA CONCEIÇÃO CAVALCANTI DO NASCIMENTO até o montante suficiente para garantir o pagamento de eventual multa civil. Considerando que a multa prevista é de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial, para os casos de violação do artigo 9º da LIA, o valor bloqueado deve ser de até R$ 580.095,60 (quinhentos e oitenta mil e noventa e cinco reais e sessenta centavos) para SÉRGIO HACKER; e que a multa prevista é de até duas vezes o valor do dano, para os casos de violação do artigo 10º da LIA, o valor bloqueado deve ser de até R$ 145.128,02 (cento e quarenta e cinco e cento e vinte e oito mil reais e dois centavos) para MARIA DA CONCEIÇÃO CAVALCANTI DO NASCIMENTO devendo para tanto ser oficiado ao DETRAN e aos Cartórios de Registro de Imóveis de Tamandaré-PE, Rio Formoso-PE, Sirinhaém-PE, Jaboatão dos Guararapes e Recife-PE, visando impedir a alienação de possíveis bens existentes no nome daqueles; bloqueio das contas correntes em nome do Requerido, devendo para tanto ser oficiado ao Banco Central do Brasil e à Caixa Econômica Federal, ainda, à Receita Federal para que encaminhe cópia da declaração de bens dos aludidos, tudo conforme disposto no art. 16, § 2.º, da Lei de Improbidade Administrativa (Lei Federal n.º 8.429/1992)”, conclui.

O processo está concluso para despacho do Juiz de Tamandaré.

 

*Por Noelia Brito