Carlos Neves, presidente da Escola Superior de Advocacia de Pernambuco, declara: “Tudo passa pela política. Se a gente não sabe quem está cuidando disso, é um erro”

No dia 06 de dezembro último, o Portal de Prefeitura entrevistou Carlos Neves, advogado especialista em Direito Eleitoral, Professor de Direito e Presidente da Escola Superior de Advocacia de Pernambuco (ESA-PE). A conversa teve lugar no Meeting Jurídico, evento mensal liderado pela advogada Patrícia Barbosa.

O jurista nos falou sobre as consequências da chamada “demonização da política” no país. Perguntamos o que ele assinala como principais fatores geracionais desse fenômeno. Neves nos deu uma visão histórica do fato: “A Democracia no Brasil sofreu vários ataques. Quando a gente consolidava a Democracia, vinha uma interrupção. O fim do Congresso Nacional em alguns momentos, a extinção de Partidos políticos, o surgimento de ditadores que tomaram o poder, tudo isso foram construções históricas. Em 1964 d ruptura ditatorial trouxe muitas dificuldades às pessoas, que não tinham liberdade de expressão, associação ou reunião relativas a política”.

Carlos Neves acredita que, na época da ditadura militar, a Democracia foi tão torturada quanto as pessoas que passaram por esse tipo de tratamento cruel.  Quando o Brasil saiu da época do golpe militar, da Democracia continuou sofrendo ataques importantes. Sobre esse segundo momento, Neves declarou: ”Posteriormente, às vésperas de eleição, o regime de plantão mudava as regras do jogo. Quando via que seu partido de sustentação iria perder, criava uma regra nova. Tudo isso fez mal ao sistema político brasileiro. Isso tudo criou um trauma na percepção da população do que é o sistema representativo. Esse trauma refletiu na redemocratização”.

Dando prosseguimento à abordagem histórica da Democracia Representativa no Brasil, o professor declarou: “Em 1988 a gente começou a ter Democracia de verdade no Brasil. Mas quando chegaram, todas as reformas políticas posteriores vieram, não para reorganizar o processo, e sim, para centralizar a força nos grandes partidos”. Neves declarou que acha um contrassenso falar em centralização de força política num país com tantos Partidos. “Isso também dificultou a concorrência ao longo dos anos. Ainda hoje percebemos que há uma baixa renovação no Congresso Nacional, nas Câmaras de Vereadores e nas Assembleias Legislativas. Há sempre mais do mesmo”, assegurou Carlos Neves.

O advogado também falou conosco sobre as ações atuais do próprio Congresso que permitiram uma erosão na credibilidade deste último em relação ao povo brasileiro. A primeira delas é a culpabilidade dos próprios parlamentares envolvidos com a corrupção. Isso é culpa de cada um deles, em particular. A segunda é o discurso moralista em razão da corrupção. O presidente da ESA declarou: “Particularmente sou contra o discurso moralista que vem contra a corrupção. Ele dá uma ideia de higienização da política, e dá uma lógica de demonização, ou seja, quem é político, é ruim. Não podemos entrar numa lógica higienista da política. Devemos entrar numa lógica de organizar o sistema, que foi deturpado. O sistema pode ficar mais claro”.

Após tratar dos fatores históricos da demonização política, o advogado conversou conosco sobre as implicações cotidianas dessa demonização. Ele asseverou: “Nós, cidadãos, precisamos cuidar da nossa vida, das nossas contas. Os representantes políticos são as pessoas que vão cuidar da coletividade. Esse obrigação vai do cuidado com o buraco na rua até o cuidado com a camada de ozônio. Tudo passa pela política. Se a gente não sabe quem está cuidado disso, está errado”.

Para Neves, ao invés de criticar a política, que é um elemento obrigatório de qualquer sociedade organizada legalmente, podemos pedir punições aos políticos que disso precisam. O professor completou: “Demonizar o processo político é ruim. Um dos efeitos da demonização é afastar gente boa da política. Muitos olham para a política e dizem que não querem estar no meio daquilo, no meio de gente que faz coisa errada. É errada a leitura de que se a política é algo feio. Isso também afasta o povo da conscientização e da responsabilidade que têm de escolher bem seus representantes”.